Belimbeleza, movimento para doar-se ao outro

Por WhatsApp, comunidade acadêmica da UFMG compartilha esperança em pílulas de arte

UFMG
5 min readApr 3, 2020
Uma flor no campus Pampulha da UFMG. Foto: Lucas Braga / UFMG

Foi Fernando Pessoa quem, em seu livre domínio da língua portuguesa, criou o substantivo outragem. Outrar-se significa, segundo o poeta, fazer-se outro, deixar-se transformar em algo novo, dar vida e independência a outras personalidades.

Tarcísio Mauro Vago, pró-reitor de Assuntos Estudantis da UFMG e professor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO), enxerga também a dimensão solidária da palavra ao entender, nela, um convite para a doação ao outro. Nesse momento de resguardo social frente à pandemia do novo coronavírus, o professor, também conhecido como Tatá, convoca: “Vamos nos outrar? Nos oferecer ao outro/a? Bora!”

O professor remete a outro grande autor da literatura brasileira para explicar a escolha do nome do movimento. “Esse é o Movimento Belimbeleza”, ele escreve. “Essa palavra linda que Guimarães Rosa nos deu de presente.”

“A parte de mais árvores, dos cerrados, cresce no se caminhar para as cabeceiras… Se viam bandos de tão compridos de araras no ar, que pareciam um pano azul ou vermelho, desenrolado, esfiapado nos lombos do vento quente. Daí, se desceu mais, e, de repente, chegamos numa baixada toda avistada, felizinha de aprazível, com uma lagoa muito correta, rodeada de buritizal dos mais altos: buriti — verde que afina e esveste, belim-beleza”.

Grande Sertão, Veredas
João Guimarães Rosa, 1956.

Por meio de listas de transmissão no aplicativo WhatsApp, Tatá compartilha, diariamente, belimbelezas doadas por membros da comunidade universitária da UFMG e de outras universidades parceiras. São pílulas de poesia, vídeos de dança, fotografias, músicas e shows diversos, produzidos ou não pela comunidade acadêmica, que refletem a importância de trazer um pouco mais de si em tempos de distanciamento — mesmo que virtualmente.

Nesse post, você confere uma breve seleção do que vem sendo produzido e compartilhado pelo movimento. Aproveite e, como diria Tatá, doe também a sua belimbeleza.*

“Sigamos a travessia”. Essa foi a mensagem de Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da UFMG e professora da Faculdade de Letras, ao doar a poesia de Emily Dickinson:

Emily Dickinson (1830–1886)

“A esperança tem asas.

Faz a alma voar.

Canta a melodia

sem saber a letra.

E nunca desiste.

Nunca.”

A capacidade de idealização também foi valorizada por Alessandro Fernandes Moreira, vice-reitor da UFMG e professor da Escola de Engenharia. Ele toca e canta a música Nunca pare de sonhar, composição de Gonzaguinha:

Quem também compartilhou seu dom musical foi o estudante Regivaldo Santos, que cursa Engenharia Florestal no Instituto de Ciências Agrárias da UFMG. Junto ao vídeo, ele compartilhou a seguinte mensagem:

Que neste momento de tristeza possa ser transmitida um pouco da alegria pelas cordas, quando replicadas, pelos dedos do tocador, trazendo a lembrança…
Ê, tempo bom que tava por lá! Esperança de que dias melhores virão.

Cristina Alvim, professora da Faculdade de Medicina e coordenadora do Comitê Permanente da UFMG para Acompanhamento e Enfrentamento do Novo Coronavírus, compartilhou o pensamento de um(a) autor(a) desconhecido(a) para dimensionar a importância da arte em tempos de quarentena:

Talvez seja também por isso que Flávia Garcia, que foi estudante do curso de Psicologia da UFMG, resolveu interpretar uma leitura dramática de um trecho da obra Manuelzão e Miguilim, clássico do autor que nomeou a belimbeleza, João Guimarães Rosa:

Meily Assbu Linhares, professora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, indicou um texto para a leitura: o clássico ensaio Sobre a transitoriedade, escrito por Freud em 1916. No texto, o autor tenta convencer um “poeta jovem mas já famoso” e um “amigo taciturno” de que as coisas são e podem permanecer belas, apesar de sua inerente transitoriedade.

Falta a eles, provavelmente, a belimbeleza doada por Fernanda Goulart, professora da Escola de Belas Artes da UFMG. Um pôster da Polvilho Edições e o poema Mapa, de Orides Fontela (1940–1998):

Foto: Fernanda Goulart

Mapa
Orides Fontela

Eis a carta dos céus:
as distâncias vivas
indicam apenas
roteiros
os astros não se interligam
e a distância maior
é olhar apenas.

A estrela
vôo e luz somente
sempre nasce agora:
desconhece as irmãs
e é sem espelho.

Eis a carta dos céus: tudo
indeterminado e imprevisto
cria um amor fluente
e sempre vivo.

Eis a carta dos céus: tudo
se move.

Para além dos limites físicos da UFMG, Felipe Zurita, doutor em Educação pela FaE e professor universitário em Santiago, compartilhou uma belimbeleza diretamente do Chile: a música Tarantella.

Comparto la canción Tarantella, del grupo chileno Inti Illimani que estuvo exiliado en Italia durante la Dictadura Cívico Militar, como muchas otras personas. En estos momentos que el pueblo italiano y muchos otros sufren es importante recordar y valorar la vida y la solidaridad.

E o Sarandeiros já avisou que, para fazer uma contagem diária da quarentena, será postada uma apresentação de dança brasileira por dia no Instagram do grupo. A primeira é o Lundu Marajoara, ritmo musical da Ilha de Marajó (PA).

Finalizamos essa galeria com a belimbeleza doada por Nilma Lino Gomes, professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG e ex-ministra de Estado das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.

Ela recupera a seguinte frase de Mãe Stella de Oxóssi, quinta Iyalorixá do Ilê Axé Opó Afonjá em Salvador (BA), para promover uma importante reflexão.

“Usar corretamente a cabeça é a certeza de grandes realizações”

A rádio UFMG Educativa está acompanhando o movimento Belimbeleza e veiculando, em spots de sua programação diária, a produção compartilhada pela comunidade universitária.

Acompanhe a programação na frequência 104,5 FM ou no site da estação.

*Para doar ou receber belimbelezas em seu WhatsApp, preencha este formulário.

Texto e curadoria: Gabriel Araújo
Revisão: Amanda Lelis

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